quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Irmã Maria Mildner,

a mãe dos enfermos e dos pobres

Helma, vocábulo de origem teutônica cujo significado é proteção, foi o nome escolhido pelos pais para aquela que, pela bondade de Deus, se tornaria a protetora dos mais necessitados em nossa cidade. Quando de sua consagração religiosa, ela o substituiu pelo nome da Mãe de Jesus e assim se tornou conhecida de todos nós como Irmã Maria.

Irmã Maria Mildner

Irmã Maria nasceu em uma família profundamente cristã, de origem alemã no Bairro São Geraldo, zona rural do município de Estrela-RS, no dia 2 de julho de 1926. Era a segunda dos onze filhos de Rodolfo Mildner e Guilhermina Paulina Eckert Mildner.

Ainda menina, com seis anos, mudou-se para Boa Vista do Buricá, no Alto Uruguai, noroeste do Rio Grande do Sul, bem próximo à fronteira com a Argentina. O lugar ainda estava recebendo os primeiros moradores. Antes de sua família, havia apenas três outras residindo no lugar que, segundo ela mesma dizia ainda era inóspito, mata virgem. À noite ela gostava de ouvir o ronco das onça e o grito dos macacos. Lá não existia estrada, não havia escola, nem igreja. Tudo estava por ser ainda construído.

A família trabalhava na lavoura, criava vacas, porcos e galinhas. Levava uma vida austera. “Não se podia comprar um sapato, um sabonete sequer. Minha mãe torrava pedacinhos de batata doce para fazer alguma coisa parecida com pó de café. O açúcar era feito com melado de cana”[1].

Desde pequena, Helma sentia vontade de se tornar freira. Aos treze anos já ajudava na igreja. Com catorze, organizou a 1ª coroação da imagem de Nossa Senhora em Boa Vista do Buricá. Quando mocinha pensou em se casar para ter filhos, pois sempre gostou muito de crianças, mas decidiu pela vida religiosa. Sua mãe lhe deu uma oração mariana, que ela rezava muitas vezes. Nossa Senhora me mostrou o caminho, dizia ela[2].

No dia 1º de março de 1945, juntamente com outra irmã mais nova, hoje Irmã Lúcia, Helma foi admitida no Convento das Ursulinas de Santo Augusto-RS. Residiu algum tempo em Rezende-RJ. De 1958 a 1961, morou na cidade Rio de Janeiro. Em seguida voltou para seu estado, residindo em Caxias do Sul até 1965. 

Irmã Maria chegou à nossa cidade no dia 2 de fevereiro de 1965. No início do ano seguinte, à sombra de uma árvore no então Instituto Monsenhor Dutra, hoje Casa da Criança, nascia sua obra. Ela orientava, evangelizava e ensinava os mais humildes. Começou com trabalhos manuais com palha de milho.

Com seu amável sorriso e o sotaque de filha de imigrantes alemães, como Maria, a Mãe de Jesus, estava sempre pronta a dizer sim aos projetos de Deus. Seu espírito de caridade cristã superava todo e qualquer obstáculo na missão de servir, por sinal o lema de sua congregação.

Em sua aparente fragilidade física, tinha a força interior dos santos, que superava o medo, o preconceito ou a discriminação em se prestar atendimento aos hansenianos, que, na época em que aqui chegou, tinham praticamente só nela o anjo bom que ia até eles para curar-lhes as feridas, não somente as do corpo, mas também  as produzidas na alma pelo sentimento da segregação e do isolamento.

Irmã Maria doava-se sem reservas à causa dos mais pobres e sofridos, não apenas para saciar-lhes a fome com as refeições que lhes oferecia ou as cestas básicas que conseguia para eles; ela procurava que crianças, jovens e adultos aprendessem algo, de acordo com suas aptidões, para obterem, pela capacidade própria, o seu sustento, e se sentissem felizes, com maior estima por si mesmos.

O Colégio lhe cedeu, então, uma casinha onde passou a dar cursos de corte e costura, bordado e trabalho em madeira. Também do Colégio ganhou sua primeira máquina de costura, e depois outra do Padre Ângelo Nogara.  Assim trabalhava e dava aulas. Dedicava-se ainda a trabalhos pastorais na paróquia. Ajudava os sacerdotes na celebração de batizados, dirigia celebrações da Palavra nos bairros periféricos da cidade e nas comunidades rurais, onde também ajudava os padres na celebração de missas. Nas aulas de catequese que ministrava às crianças, jovens e adultos, sabia como motivá-los, passava slides e filmes, muitos deles da vida de santos. E não se esquecia de distribuir generosamente balas e doces em muitas ocasiões.

Em seguida uma nova fase se iniciou. Como o número de alunos estava aumentando, precisava de mais espaço para as atividades. Conseguiu emprestado do Sr. Alfredo Machado de Carvalho um galpão na esquina da Rua Duque de Caxias com a Travessa Alves de Lima. Findo o prazo de cessão do imóvel, resolveu adquirir o prédio.

Irmã Maria não dispunha de recursos financeiros para comprar aquele barracão. Pediu ajuda à Prefeitura, que naquela época não teve como ajudá-la. Caso não conseguisse a quantia necessária, teria que entregar o imóvel. Ela não desanimou, resolveu pedir à comunidade. Contou com a colaboração do Padre Galdino Falquetto, que pedia doações nas missas que celebrava.

Tive a graça de acompanhar a Irmã Maria de porta em porta, diariamente. Foram muitos os que colaboraram. Centenas de pobrezinhos deram do pouco que possuíam. Depois de persistentes caminhadas, algumas sem êxito, Irmã Maria finalmente conseguiu o valor necessário para adquirir o imóvel, 15.000 cruzeiros na época.

Com recursos doados pela Misereor, entidade alemã, por pessoas generosas da comunidade, pelo Padre Rudy Antônio Mildner, seu irmão, e a colaboração da Prefeitura, aos poucos, o prédio foi passando por reformas, ampliação e se tornou a sede definitiva da então Escola Doméstica Maria Mãe da Igreja, lugar da partilha e do encontro de todos que procuravam pela querida religiosa: ricos, remediados e, principalmente, os pobres, e chegou à estrutura atual.

O fusquinha, Irmã Maria recebeu da Adveniat, outra entidade da Alemanha, que colabora com projetos sociais dos países mais pobres. A querida religiosa gostava muito desse carro, que dirigia por todos os caminhos do município e da região na assistência material e espiritual que dispensava aos pobres e enfermos. Falava de Deus, presidia celebrações, distribuía a Eucaristia, confortava os doentes na cidade ou nos bairros rurais. Irmã Maria só parou quando, devido às limitações que a perda da saúde lhe impôs, foi aconselhada pelos médicos a não mais dirigir.

Irmã Maria fez de sua vida um permanente apostolado. Viveu entre nós quarenta e um anos, sempre fazendo o bem, assumindo o ideal do verdadeiro serviço cristão em nossa comunidade na total disponibilidade ao povo e, de modo especial, aos mais pobres, aos  doentes  e  aos excluídos. Era, por isso, estimada por todos que a conheciam. No dia 25 de janeiro de 1981, poucos dias antes de completar dezesseis anos entre nós, recebeu da Câmara Municipal o título de Cidadã Paraisopolense pelos serviços prestados ao desenvolvimento de nossa cidade.

            Nos últimos anos de sua vida, dividiu seus dias entre internações e atuação em sua obra. Hospitalizada em São Paulo por diversas vezes, seu desejo era sempre de voltar para o convívio dos pobres, onde ela mais se sentia bem. Dizia sempre: “Estou doente, mas vou ficar bem. Preciso de vocês para continuar minha obra”. Irmã Maria faleceu no dia 28 de março de 2006, causando muita comoção na cidade. Centenas de pessoas participaram do velório e da missa presidida por seu irmão, Padre Rudy. Lágrimas sentidas e saudosas rolavam no rosto de crianças, jovens e adultos, que sempre amaram a Irmã Maria como mestra e como mãe.

Irmã Maria deixa para nós a herança da fé comprometida, da caridade vivenciada, do carinho para com todos, do amor incondicional a Deus, da consagração de uma vida toda ao ideal cristão, da certeza da ressurreição que já alcançou.

Irmã Maria, a Irmã Maria do Paraíso, será sempre uma referência inesquecível para todos os cristãos e pessoas de todas as crenças que a conheceram. E nós, que temos a graça do dom da fé, sabemos que, junto de Deus, na plenitude da verdadeira felicidade, Irmã Maria intercede por todos e por cada um, por suas irmãs consagradas, pelos seus familiares e por nossa paróquia. Isso nos conforta a ameniza a dor da separação e da saudade![3]

Irmã Maria voltou aos braços do Pai, mas seu testemunho de doação permanece. A obra que fundou e dirigiu por quatro décadas, hoje Escola Profissionalizante Irmã Maria, também continua a serviço especialmente dos mais humildes por quem ela tinha especial carinho.

Luiz Gonzaga da Rosa


[1] GONÇALVES, S. 50 anos de uma vida que vale ouro. Folha da Serra. Paraisópolis, mar. 2003, p. 7

[2] Ibidem.

[3] Anunciai!: informativo da Paróquia São José. Paraisópolis, jun./jul. 2006, p. 4.

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